segunda-feira, 30 de maio de 2022
Banco Alimentar
sábado, 28 de maio de 2022
Linhares da Beira
A forma das casas baixas e sombrias pouco ou nada mudou de há cinco ou seis séculos a esta parte. Julguei sonhar quando vi através das magnificas janelas manuelinas, aqueles grupos de mulheres de olhar selvagem e linha escultural, que fiavam a sua rocada na sombra e conversavam entre si numa língua quase imperceptível. Parece que todos aqueles espectros pardacentos tinham acabado de quebrar a pedra do túmulo para executarem entre si uma cena de outra época, de que fui o único espectador vivo. A pouca vida das ruas da aldeia tem o mesmo caracter de estranheza e arcaísmo que parece fielmente copiado do modo de viver duma geração que já passou.
Não me importava nada de cá morar. Podia manter-me a papas de milho e pesto de urtigas.
quarta-feira, 25 de maio de 2022
Vista aérea
Lá em baixo, homens e mulheres, mensageiros dos deuses, nomeiam as estrelas e as figuras do céu, dizem aos outros homens e às outras mulheres, amamos-vos e ensinar-vos-emos a viver ensinando-vos como curar as maleitas, escutando e transcrevendo o que dizem os vossos gritos e as vossas falas. Ensinar-vos-emos a tornar-vos amigos do mundo para não serdes estrangeiros nele, a sonhá-lo, a sulcá-lo, a usá-lo. Lá em baixo, homens e mulheres derramam a palavra, como um pólen abandonado ao vento, para transmitirem as histórias apreendidas com o refluxo do mar e com o fluxo da névoa, as histórias e lendas do mundo e da vida. Cá de cima, não tarda, o que se verá é a noite a distribuir por cada um a sua solidão, o medo, o susto e a redobrar um sentimento que todos já conhecem - a inquietude da incerteza.
Sou tão telúrico!
sexta-feira, 20 de maio de 2022
A costureira triste
Pude finalmente encontra-la. Vejo-a agora, pela primeira vez, depois da sua triste desaparição. Estava sozinha na sala quando entrei; reconhecendo-me, fez um movimento involuntário, como para se levantar, como que para se pôr em fuga, depois ficou imóvel, e o seu rosto pareceu cobrir-se, repentinamente, com um véu de púrpura inflamada. Foi contagioso, porque eu também senti que corava até à raiz dos cabelos.
Pronunciou estas simples palavras com um tom de voz tão suave, tão tímido -- e tão terno! --, que senti vontade de cair de joelhos diante dela.
Olhou para mim dolorosamente, depois baixou os seus grandes olhos com ar resignado e continuou a trabalhar na Bernina.
quinta-feira, 19 de maio de 2022
Palomar
Está-se no meio do mês de Maio e no ar desta manhã, por entre os pingos da chuva suave, já paira a fragrância do jasmim, do alecrim, da madressilva e das mimosas. Os botões da catalpa rebentam nas árvores, parecendo estrelas, o seu perfume a leite-creme espalha-se delicadamente pelo ar. Numa fase de profundos desafios à humanidade, o Senhor Impontual, figura míope, distraída e introvertida, não para de se interrogar se alguma vez os senhores das armas terão inalado este ar. Talvez não. Não é de espantar, a guerra começa antes da aurora.
quarta-feira, 18 de maio de 2022
Perguntar não ofende
Esta semana há greve da Função Publica. Será sexta-feira?
Tantos países a legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Mas... ninguém resolve o problema do sexo entre pessoas do mesmo casamento?
Há serviços públicos, como por exemplo as Conservatórias, que não atendem o telefone há dois anos por causa da pandemia. Será um problema endémico?
Em que planeta fica o «mundo livre« que a NATO defende?
Como é que se ressuscita uma tangerineira moribunda ?
Marcelo, o presidente, disse que «Portugal é um beneficiário liquido da situação de guerra». Isto diz-se?
Sabem o significado da palavra «abesbílico»?
Segundo um estudo publicado no jornal Publico, quatro em cada cinco jovens gays ocultam a orientação sexual aos professores. Mas porque é que os jovens deveriam revelar a sua orientação sexual aos professores?
E no festival de Cannes? Há algum filme ucraniano?
É este mês que se paga o IMI, não é?
Já leram o artigo do MEC de hoje no Publico?
Varíola dos macacos?
Porque é que isto nos está a acontecer?
terça-feira, 17 de maio de 2022
Metadados
É certo que se tem vontade, necessidade, que o mundo seja branco ou negro, que os homens sejam inocentes ou culpados, santos ou escumalha. É uma cisão que dá segurança. Cada um tem o seu modo de vida, tem o seu papel. O cinzento, isso é que não é assunto nosso. O intermédio não se sabe bem onde se encontra. As fronteiras devem estar claramente estabelecidas, desenhadas. Consoante o lado onde cada um se encontra, assim se é capaz de dizer a que campo se pertence. Tem-se necessidade de coisas límpidas, e legíveis, e duras. No entanto, a mim, acontece-me acreditar que a realidade é mais contrastada. Aprendi que a luz e a sombra são indissociáveis. Aprendi que é preciso fazer escolhas na base da tridimensionalidade. Na sombra própria e na projectada. Apreendi a puxar-me as orelhas.
segunda-feira, 2 de maio de 2022
De Dostoiévski a Shevchenko, num ápice
Está uma tarde maravilhosa, uma dessas tardes que apenas são possíveis quando somos crianças. O céu está tão cheio de azul, tão luminoso, parece pintado de fresco, que quem erguer os olhos para ele vê-se forçado a perguntar a si mesmo: será possível que sob um céu assim possam viver homens maus e caprichosos? A própria pergunta é infantil, muito infantil, mas oxalá ao amigo leitor, lha possa inspirar muitas vezes!
Mais uma vez o sangue das pessoas.
terça-feira, 26 de abril de 2022
domingo, 24 de abril de 2022
Vejam bem
sábado, 23 de abril de 2022
Frontispício
Mais de dois anos passaram pelas pessoas. Hoje caíram as máscaras. As pessoas estão mais bonitas, mas os seus rostos reencontram-se sempre num vinco eterno. Os dias, as agruras, a fadiga, o encarceramento porventura, atenuaram-no, mas o essencial está intacto. O rosto não é coisa que mude verdadeiramente. Há traços que as pessoas não perdem, que trazem consigo toda a vida, apesar do amadurecimento, apesar da deformidade, apesar das provações. Pode ser a doçura. Ou a infância. Ou a desgraça. Ou a culpa a perfurar o pensamento. Ou o áspero sorriso em silêncio. Mas está lá. Sempre. Para sempre.
quarta-feira, 13 de abril de 2022
Alguém sabe ler o céu?
O Senhor Impontual está aqui sentado, num amorfo dia de Abril, a tomar uma cerveja de mar ao fundo. Tudo em seu redor se encontra em permanente mudança; o sol alterna entre projectar sombras profundas e em varre-las de seguida para outro lugar. A lua, desfocada, já está ali de guarda, pendente acima da linha do horizonte, como um sopro de ar suspenso criando um ambiente crepuscular interminável a fazer acreditar na elasticidade do tempo. As horas a espalharem-se diante do Senhor Impontual, e o amanhã a tornar-se tão vago que deve estar mesmo muito longe. Entretanto, o relógio repicou, a tarde retraiu-se e fez ricochete, pairou uma luz acinzentada e soprou uma aragem fresca que se dissolveu na escuridão.
Alguém sabe ler o céu?
quinta-feira, 31 de março de 2022
Síndrome de deficiência androgénica
terça-feira, 29 de março de 2022
segunda-feira, 28 de março de 2022
Armamento
O Senhor Impontual não entende que com o tempo, ou melhor, com o passar do tempo, as pessoas, zangadas e frustradas que estão, e têm boas razões para isso, não compreendam que quando nos encontramos no terreiro comum, que é o lado de fora da vida, não é mau que nos guie a ilusão - essa arma superior.
segunda-feira, 21 de março de 2022
Equinócio
Espero que ainda te recordes de como, sob as minhas caricias, o teu corpo se enchia de botões viçosos como antes de florirem. Como gostei de colher as tuas flores, deixando-me embriagar com os aromas que elas exalavam. Alimentava-me do teu suco, mas acabaste por deixar-me em troca da salvação da tua alma. Mas que traição, mas que traição! Não, eu não creio num Criador que exige estes sacrifícios humanos. Não creio num Criador que destrói a vida de um homem para salvar a alma de uma estação. Espero que ainda te recordes. Vem, vem. Preciso de ti.
sábado, 19 de março de 2022
A Oeste, o preço do petróleo
segunda-feira, 7 de março de 2022
A guerra é uma emoção desgraçada
segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022
A Oeste nada de novo
Quase tão estupido como a própria guerra em si, é o resto do mundo começar a convencer-se que a Ucrânia pode resistir aos russos e que assim sendo não é preciso fazer nada, evitando-se desse modo a sempre chata quezília com o tresloucado papão russo. Que, como bem se sabe, toma Kiev quando quiser e como quiser.