quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Quem dera que o amor fosse como o sexo

O amor não devia atender a nada mais do que o amor. Como acontece no sexo.
Caso não lhe seja conspurcado pelas condições do homem civilizado, o prazer físico entre um homem e uma mulher pode atingir o êxtase. O sexo tem esse poder; o de superar a confusão com os limites nas relações pessoais. Já os que se atrevem a molhar os pés apenas no rio que traz as águas do amor perdem algo de fundamental. As suas associações vão-se tornando meros negócios, investimentos especulativos neste e naquele particular, não é de surpreender que tais ligações se afundem no ciúme.
A partir do momento em que amor é moeda de troca transforma-se num instrumento de repressão e controlo. Promessas de felicidade, fidelidade e sacrifício e que parecem sagradas, não passam de egoístas demonstrações de posse, fraudulentas, despidas de pureza - como a sexual -, enganadoras a nível individual e social. A prova é visível: todos os pares por mais felizes que seja no começo, acabam mais tarde ou mais cedo por odiarem tudo isso e por se atormentarem.
Tende juízo senhores de sotainaQuem dera que o amor fosse como o sexo.

terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

L'esprit de l'escalier

Que estranho sentimento esse o de ser sportinguista. Não?

quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Ciência viva

Já vão aparecendo uns biólogos, uns químicos, uns físicos capazes de imaginar, inventar medicamentos, ínfimos objectos que vão dentro dos corpos limpar as artérias, ups! acabou-se o colesterol, disparar misseis sobre vírus, ou até mesmo escarafunchar nos neurónios para mudar as conexões e limpar o canal dos instintos interditos.
Não aparece é ninguém capaz de criar uma injecção que ponha termo à insipidez da carne, à distorção do carácter, que apazigúe os corpos e torne as almas mais ligeiras. Que acabe com as feridas da língua, a língua inválida, a alienada e a insone. Que ponha termo a esta inata catarse aristotélica da simulação, da dissimulação, do fingimento, da teatralidade do jogo retardado da imitação e do renascimento, da mascara e do mascarado, do falso e do falsificado. Que ponha fim e esta patologia mal-cheirosa, a estas células cancerosas que matam a cada dia que passa o organismo social.

terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Rubescência


Estou aqui sentado, num encantador dia de final de Janeiro. Tudo à minha volta se encontra em permanente mudança; o sol alterna entre projectar sombras profundas por trás das árvores e em varre-las de novo para o mesmo lugar, no momento em que uma pequena nuvem atravessa o céu. A água do mar enche-se de ouro, depois transforma-se em nada. Toda a área está pintada pelo sol, e manchada, cintilando e atingindo um ponto de uma enorme beleza, e eu estou aqui sem fôlego, por me encontrar entre a audiência. Mais ninguém repara. Lá no alto, um avião aturde-me com o seu bramido e uma linha de pó de giz, imediatamente avermelhada pela luz de poente, faz-me lembrar um ser fascinante de cabelo cor de fogo. Mas este já não é o mesmo céu de outros tempos.

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Apanágio

Tenho o máximo respeito e admiração pelo Mário Centeno. Eu também já fui Ministro das Finanças da minha casa e sei o quão difícil aquilo é.

quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Cada um de nós é o amor da vida de alguém

Mas... quem é afinal o artífice desse andaime periclitante? Quem montou as travessas e os parafusos, as polias e as pranchas sobre as quais dançamos, como cegos às apalpadelas, persuadidos de que somos livres e conquistadores?

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Revolução do desejo

Frank Guiller

O amor é o amor — e depois?! 
Vamos ficar os dois 
a imaginar, a imaginar?... 

__Alexandre O’Neill, in ‘Abandono Vigiado’

terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Ainda Cioran

O bom blogger? concentra em si todas as chances de desaparecer e desaparecerá mais cedo ou mais tarde, mas, por outro lado, tem razão em prolongar a sua tragicomédia, nem que seja por distracção ou por vício. Até lá cultiva o mistério, locução de que se serve para endrominar os outros, para fazer-lhes crer que é imperscrutável. Graças à melancolia - esse alpinismo dos preguiçosos - lá vai escalando, sentado na sua poltrona de orelhas, todos os cúmes e sonhando no alto de todos os precipícios. Bailado encenado nas bordas do abismo.

sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Cioran

O bom blogger deve possuir o sentido do assassinato; em tempo útil, quem ainda sabe matar os seus personagens?

quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Largas noites

As circunstâncias que levaram àquela história de amor tão intensa quanto fulgurante desenrolaram-se sob o signo da estranheza e da fatalidade. Envergava, atendendo à circunstância, um fato azul escuro e uma camisa branca com dois botões abertos. Depois de me sentar, uma rapariga ficou varias vezes a olhar para mim. Relances furtivos sem mensagem particular. Pensei, trata-se da atracção dos contrários, eu branco ela morena, e sorri. A moça respondeu ao meu sorriso algum tempo depois e pude ver o que era uma boca que se entreabria para se dar, informar que não havia, nesse instante, senão um destinatário a quem era oferecido o elogio e a prenda. Naquele momento da ronda dos astros, duas únicas pessoas em todo o mundo podiam estar ali à espera de um encontro, a rapariga do sorriso e eu. Vi-me embrenhado no interior de um buraco negro do espaço, pensei com todas as minhas forças, as minhas energias, todas as luzes do céu me atraíam para o mais fundo, para o centro do meu corpo, onde a última partícula tremia por uma mulher que não conhecia. Sem uma borda de mundo que me servisse de referência, sentia-me desvalido de linguagem e de lei, um homem do espaço sozinho e apaixonado por um meteoro que o deslumbrava. O sagrado estava ali, ao alcance do corpo, bastava a minha mão tocar aquela mulher e calar-me.
Achei-me prisioneiro, permissor de um espaço e de um tempo onde não se ouviam senão  os ofegos, o roçar de peles e marulhadas de saliva. As palavras e os corpos de cada um, contaram ao outro as histórias das suas vidas, desde o primeiro dia até àquela noite, para que ambos soubessem os labirintos e os porquês dos meandros da existência que estreitava nos seus braços. Regressados de manhã às intersecções de latitude e longitude de um tempo ordinário, tivemos de interromper a embriaguez, a overdose desejante que acabavam dos nos unir, para nos desfazermos um do outro. Extrair-nos, separar-nos, cortar a unidade que algumas estrelas tinham visto nascer. Fadiga e manhãzinha, o tempo dos homens ditou novamente o ordenamento dos corpos na cidade.
Eu disse adeus, ela ficou a ouvir Lionel Richie em "All night long".

terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Posídon


Meu Deus, apresento-vos o meu coração. Só vós conheceis as minhas dúvidas e hesitações, a violência das tentações. Sou um homem da beira do mar que vive na grande cidade e que calcorreia ruas, atravessa avenidas e dobra esquinas onde ouve a palavra à saída da boca dos vivos. A cada esquina, percebo um rumor que me gela, o rumor da desilusão. Todavia, os pequenos bípedes cavalgam o seu pedaço de vida com a raiva de jamais se verem separados dela. O rumor da desilusão é imenso, o apego a essa existência é-o ainda mais.

segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

Supernany

Gostava de saber explicar-te este mundo. Um mundo onde não existe privacidade, onde a imaginação é um comportamento anti-social e as pessoas que compõem essa sociedade estão sempre em bicos de pés a olhar através da janela da tua alma a tentar descobrir os teus pensamentos mais íntimos. Mas gostava, também, de contar-te a maior verdade que daí se depreende: o tecido deste mundo é uma ilusão, um cenário mal pintado de uma peça de teatro. Passa para trás dessa cortina e um mundo totalmente diferente aguarda-te. Vá, não te inibas. Faz-te a ele.

sábado, 13 de janeiro de 2018

Esplanada de Inverno

E então, em vez de reagir à sua declaração de guerra com um acto de violência, que poria, sem dúvida, fim à dela, em vez de utilizar as mesmas armas que ela para abater o inimigo que o tomou como alvo, ele redobra de ternura, começa a conversar, tenta a diversão. Em vez de desembainhar a espada e gritar "em guarda", recusa o duelo, despede as testemunhas, parlamenta e estende-lhe a mão.

Ela, nunca imaginou que se pudesse seduzir uma mulher ofertando-lhe a mão. 
Time`s Up!

quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Noite

Deixo-me tomar pela noite. Tomar, aconchegar, estreitar. A noite não descansa, arqueja com todos os seus suspiros e oferece-me um concerto amortecido. Quem arrola tantos sons como ela? O jazz pulsa, desventra a cortina das percepções. Um saxofone soprano aparta as abas da razão a fim de proferir um grito tributado às estrelas. Abre-se uma janela, sobredose de emoções, uma vida que se questiona: como, onde, até quando? Êxtase e retracção. As interrogações condensam em si as lassidões reaparecidas ao nascer do sol. As respostas acham-se nas ruas da escuridão, matriz onde se extasiam os imaginários, pois é aí que as ficções tomam corpos e almas, no próprio instante. Elas assemelham-se ao amanhã, depois de amanhã, as avenidas, as pedras, plenas figuras do destino. Sabemos que iremos mover-nos ali e não noutro sitio, no interior de cenários efémeros, momentâneos, transitórios. Às vezes mais vale dormir.

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

Vestidos pretos

Nada me desconcerta mais que o rosto em desalinho de uma mulher bonita.
O que quero dizer com isso?



Suponho que queira dizer que gosto de mulheres bonitas quando, mesmo erguendo barreiras de encanto, abrindo leques multicolores que cegam os intrusos: mini-saias, madeixas louras, cintura fina, olhos pintados, rosto estucado, andar bamboleante, elas não são devoradas pela beleza. Deixando à minha imaginação os seus dédalos interiores. 

sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

Há cidades cor de pérola onde as mulheres...


Mulheres que eu amo com um desespero fulminante, 
a quem beijo os pés
supostos entre pensamento e movimento.
Cujo nome belo e sufocante digo com terror,
com alegria. Em que toco levemente
Imente a boca brutal.
Há mulheres que colocam cidades doces
e formidáveis no espaço, dentro
de ténues pérolas.
Que racham a luz de alto a baixo
e criam uma insondável ilusão.

 __Herberto Helder - «Lugar», Poesia Toda

terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Monólogos da vagina

A descer a pé em direcção ao metropolitano, Amélia trauteia, apetece-lhe dançar debaixo da chuva miúda, mover o corpo no meio da multidão, e que olhares furtivos a descubram, que homens discretos digam com os seus botões: olha vai ali uma mulher a cortejar o mundo. Sem a luz do sol, Amélia pensa nas estrelas, estou a caminho de uma cidade que amo, diz ela consigo, e nesta cidade há um homem com quem farei amor hoje à noite, que pousará as mãos sobre a minha pele, apartará as minhas pernas, tomará os meus seios como uma oferenda das mulheres aos que as desejam, e o seu sexo erguer-se-à quando souber que sou dele.
Amélia ao pensar nos homens vê o deserto e a sede, sempre que eles não podem esperar mais tempo pela humidade de uma mulher, pela água bem-aventurada que escorre entre as pernas delas quando eles embebem o corpo e a boca na unção extrema, os santos óleos dos vivos. 
O que importa é estar vivo, diz Amélia de baixo para cima.

sábado, 30 de dezembro de 2017

Palomar

O Senhor Impontual está sentado diante do mundo, por vezes sente vergonha. Não há nada brilhante, enfim... Os balanços são patéticos, remorsos é o que não falta, contradições publicas e arrependimentos. Viver deveria significar querer melhor, mais alto, maior e o Senhor Impontual só vê pessoas que não desejam senão um prémio de lotaria, fazerem fila um dia inteiro à porta da Ritinha Nails, aflitos, que ainda tem de ir à Boutique da Amélia levantar o outfit para a grande noite que será devidamente retratada e divulgada ao mundo dos alegres com o seu telefone plus, dourado. Tanto tempo, tanto dinheiro por tão pouca alegria! Annus Mirabilis!

quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Hipotipose

O itinerante interrompe momentaneamente o seu périplo por galáxias superiores, a fim de partilhar com os prezados terráqueos dois farrapos da sua viagem de laboração imagética e dedicá-los à blogger que mais amou ao longo do ano que agora finda.





Sim, àquela que atira palavras de dentro para fora e de fora para dentro com uma simplicidade tal que por vezes não se sabe se são sanguíneas, se caíram do azul do céu, se as trouxe o vento norte ou se se desprenderam na junta que une o corpo à alma.

Para o ano logo se há-de ver.

terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Cú de Judas

Derivado da generosidade do presépio, o vivente embarca agora mesmo numa viagem que se prevê da mais elevada densidade arcaica.



O residente, volta ao contingente logo que a meteorologia assim o permita.