o longo dos corredores, no acaso dos compartimentos, no espelho da casa de banho, nas portas entreabertas, distingo por vezes, e sempre fugazmente, aquilo que poderá ter sido a família que ali habitou. Ainda ontem à noite, enquanto me entretinha no restauro de umas poltronas velhas e que foram resgatadas a uma casa também ela muito antiga, dei por mim a imaginar as noites, quando apenas subsistia o ronco de uma borrasca ou o sibilar de um vento mau, sou remetido a um passado que não foi meu, quando a mesma borrasca ou o mesmo vento os encontrava todos juntos sentados nestas poltronas, em volta da lareira. O ruído familiar, o odor comum, o cinzento de um céu, as vozes a cochichar, as crianças que crescem, as saídas na manhã azul e os regressos na noite negra, o prado à janela, o odor quente dos pratos que aquecem em lume brando, a telefonia que graniza na indiferença de outras misérias, os anos que desfilam.
Penso em tudo isso, embora não seja um sentimento que me pese, não são feridas minhas que se reavivam, não é uma estranha melancolia, nem uma espécie de vácuo na alma. Não sinto dor ou tristeza, mas uma estranha lassidão imprecisa. Na verdade meço o tempo que decorreu. Contemplo vidas antigas como se séculos me separassem do instante presente. Fico-me pela vacuidade de tudo isso. Na inanidade de umas poltronas meticulosamente restauradas. Embora me custe a entender o ânimo leve de quem se livrou delas.