Vem posar de dois em dois meses. Sempre no inicio do mês, sempre no inicio do dia, sempre a uma quarta-feira. Estamos em Novembro. Sabe que será severamente condenada pelo júri popular, sempre seguro da sua retaliação e dos valores que considera defender. A negligência socialmente criminosa prevalecerá, mas se puder sustentar o homicídio, não se privará disso. O júri popular não dispõe de qualquer prova de crime, mas no seu espírito, esse acto não suscitará dúvida nenhuma.
Fixo-a sem a julgar. Sei que nem é culpada nem inocente. Franzi ligeiramente os olhos. Não a absolvo. Não é a minha função. Não a amarguro. Não é o meu género. Franzi novamente os olhos. Não a interrogo. Trata-se de outra coisa que não a simples discrição. Outra coisa que não o tacto, também. Não espera de mim nada a não ser o meu silêncio e a minha presença, essa força natural.
Conservo a recordação exacta, física, da sua libertação. Foi como aliviar-se de um peso, acabar com o que não deveria ter sido, por-se em situação de dominar o seu destino, enfim. Há pessoas que levam tempo a tornar-se naquilo que são, naquilo que pretendem ser. Ela é uma dessas pessoas.
O retrato é perigoso. Preciso de fingir que sonho com o seu modelo. Apresso-me a impregnar tinta na tela. Respondo mesmo antes de a imagem emergir. Tenho ideias em catadupa. Esta viscosidade insistente não ajuda na secagem que se queria rápida.