Acontecia todas as manhãs de Junho a Setembro: inclinava-se e tocava levemente com os lábios no meu cabelo. Ainda estava de roupão, mas já se havia maquilhado e não queria estragar o baton dando-me um beijo a sério. O seu cabelo estava sempre escovado, penteado e arranjado, de tom castanho escuro embora a realidade no que respeita ao seu cabelo, é que ele era totalmente cinzento e ela pintava-o de castanho para que as pessoas não soubessem que ela era velha. Uma questão interessante era saber qual a verdadeira avó: quando ela punha os óculos ou quando os tirava, quando pintava o cabelo ou quando o deixava crescer grisalho, quando estava na banheira toda nua ou quando estava vestida com aquelas roupas bonitas, quando lia o Primeiro de Janeiro em voz alta e ralhava com as noticias ou quando avançava para a saleta dos maples de orelhas, que era só dela, e por lá passava a tarde embrenhada em cartas velhas, livros velhos, fotografias velhas de pessoas ainda mais velhas. Do avô emprestava-me a reminiscência de que era um homem alto e sem garbo, forte, com olhos avultados de sapo triste, tez branca e andar pesado. Que respeitava sempre as regras, sem questionar nada e era culto e habilidoso, com uma psicologia tenaz. Que quereria dizer a palavra verdadeira, era uma questão interessante, achava eu. Outra questão de grande interesse era quando ela retirava da frigideira um ovo mexido na perfeição, colocava-o no meu prato ao lado da torrada feita na perfeição e enchia-me um copo de leite com uma mistura de cevada fervida na perfeição e dizia: "come meu menino, tens de ser um homem".
Boas memórias me lembraste.
ResponderEliminar:) perfeito.
ResponderEliminarFez-se homem e fez-se escritor :)
ResponderEliminarQue delícia de texto, Impontual!
Um abraço
trabalho valoroso esta descrição!
ResponderEliminarboa noite, Impontual.
Um belíssimo texto, que me fez recuar no tempo, e me fez lembrar de todos os meus velhotes, que já se foram...
ResponderEliminarAbraço
Ana