quarta-feira, 1 de novembro de 2017

Ainda sobre a desertificação do interior

Momentos antes de transpor a circular, enxergo pelo retrovisor uma fila de automóveis como que varridos pelo vento de altitude. Seguem lentamente para as pequenas localidades ao encontro dos cicios nos cemitérios, das genuflexões nas igrejas, dos odores e dos silêncios suspensos nas piras. Olho de novo o retrovisor e tenho à minha esquerda a via central livre. Desmarco-me. Não acuso o mundo desta espécie de cortejo da morte, deste culto aberrante da saudade e da tristeza a indiciar que os seus mortos possam gostar de exibições, ressequidas, de luto e dor. Os meus não gostam de certeza.

12 comentários:

  1. Há interiores que permanecerão eternamente ocos.

    Bom feriado, Impontual.

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  2. Aberrante, aberrante...é desejar-se 'bom feriado' a alguém que desdenha deste dia de 'ócio', justamente, por ser o Dia de Culto dos que já partiram.
    Devo dizer que não comungo dessa procissão, mas respeito quem cultiva essa tradição.

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  3. Na verdade, o dia dos fiéis defuntos é amanhã. No dia 2 é que, no culto católico, se vai ao cemitério. As pessoas é que aproveitam o Dia de Todos os Santos por ser feriado. É normal. Nada que deva incomodar quem não siga o rito. A saudade não tem dias e a tristeza não mora aqui.

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  4. Desertificação do interior é haver um dia assinalado no calendário para se povoar os mortos de companhia que desertifica o ano inteiro. Não são precisas excursões para mostrar que nos habitam ainda, ou eu não aprecio especialmente essa espécie de romaria, sou das que acham que andam connosco nas pequenas coisas mudas do dia a dia, nas expressões que diziam, nas brincadeiras que faziam, nos abraços apertados que faziam sentir, no lugar que continuará sempre vazio, só assim não nos desertificamos, deixando-os morrer, mesmo que enfeitados de flores.

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    1. Curioso é aperceber-mo-nos de que pensávamos assim, que o pensámos e sentimos durante muitos anos, que nos revoltava, até, a insistência do pai para que cumpríssemos, nem sequer religiosamente, esse ritual, ainda por cima ele só lá ia "ver e meditar", porque mandava os outros limpar e adornar as floreiras... e que agora, senhores dos nossos narizes e ainda pensando e sentindo do mesmo modo, damos connosco a ir limpar e enfeitar a campa do pai, assim mesmo no dia marcado.

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    2. Vou pouco, confesso, mas quando sinto essa vontade prefiro os dias onde o silêncio se sente, sem dia marcado ou em dias que nos dizem, entre nós, alguma coisa.

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  5. Não tenho dia específico. Vou lá quando quero,e neste dia nunca quero. Mantenho limpo todo o ano, não há flores de plástico, e por isso nem sempre têm flores, mas têm a minha saudade, sempre, no coração.

    Fora isso, quem vai, vai - quem está, está - como dizia a minha avó.

    Boa tarde

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  6. Acredito que os meus mortos são da opinião dos seus. Acho que vou aproveitar o final da tarde para ir ver outra 'Peregrinação' ao cinema...

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  7. As pausas fazem falta. Mas a minha de hoje, deu primazia meus vivos...Há que cuidar da vida, a morte é eterna, está cuidada por natureza.
    E não, não fui ao cemitério ver a campa onde.está sepultada a minha mãe.
    Quanto à publicação anterior, apenas exprimo que o que está em causa não é a desertificação interior, mas sim a exterior.
    É extremamente frustrante, desgastante e desesperante, darmos o melhor de nós a uma causa ou a gente de conteúdo estéril. Já contribuí muito para esse peditório. Cansei-me de dar a outra face
    Amanhã já se retoma a rotina laboral, e tudo volta ao "normal"
    Fica um abraço.

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  8. Concordo com a Sandra. Cuidemos da vida e de quem vive, que da morte, apesar da dor já não há grande coisa a fazer...

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  9. Pouco me aquece ou arrefece. Sou da opinião que se um acto não melindra os meus dias, jamais o poderei condenar. Além disso, é uma desculpa para tornar o mundo mais belo, com velas e flores perfumadas. E se isto é aberrante, algo vai mal no reino da Dinamarca.
    Há coisas bem mais importantes com que nos devemos arreliar.

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