Como quem, caído de outras galáxias fora de si, tomba aonde sempre esteve, encontrando tudo nos mesmos lugares: o passado dentro do passado, o presente no presente e o futuro sem futuro.
Entre a minha vida e a minha morte mete-se subitamente A Atlética Funerária, Armadores, Casa Fundada em 1888. A esse sítio acorrem então, aflitíssimos, o teu vago sorriso e a vaga maneira como dizes os esses; vêm de muito longe e chegam incompletamente ao pequeno vulnerável sítio entre toda a minha vida e toda a minha morte, quando a minha última recordação atirou já com a porta e tudo está acabado até a tua respiração na cama ao meu lado, e também tu estás morta, duma forma que já não me importa.
Vamos então os dois outra vez ao longo de certas ruas sombrias e de certos dias e sorris e falas alto; está calor mas tens as mãos frias, compramos coisas, visitamos talvez algum último amigo sem sabermos que eu já não estou vivo.
Poderia ter sido de outro modo? Poderiam ter sido outras duas pessoas vivendo a minha e a tua vida, morrendo a minha e a tua morte? (Mesmo o armador, poderia ter sido outro?) Aparentemente foi por pouco; se fosse um pouco mais tarde ou um pouco mais cedo, se eu não tivesse chegado a casa cansado, se a louça não estivesse por lavar e a janela da sala de jantar não estivesse fechada, se o mundo não tivesse acabado, nem tu tivesses ido ao supermercado, e se eu não estivesse cheio de medo.
Agora estou voltado para cima, para onde cantas ainda há muito tempo. Se calhar isto (alguma coisa) vai demorar mas já não me impaciento. Voltamos, tu e eu, ao mesmo jardim desflorido onde eu morro sozinho e conversamos comigo como com um desconhecido. Que diremos agora um ao outro?
É tarde. Ainda há um momento me apetecia conversar, agora estou outra vez tão cansado! Reparaste como o Outono este ano veio por outro lado, como se fosse pelo lado de dentro?
Manuel António Pina | "Todas as palavras" | Poesia reunida | Ed. Assírio & Alvim, 2012
Como quem, vindo de países distantes fora de si, chega finalmente aonde sempre esteve e encontra tudo no seu lugar, o passado no passado, o presente no presente, assim chega o viajante à tardia idade em que se confundem ele e o caminho.
Entra então pela primeira vez na sua casa e deita-se pela primeira vez na sua cama. Para trás ficaram portos, ilhas, lembranças, cidades, estações do ano. E come agora por fim um pão primeiro sem o sabor de palavras estrangeiras na boca.
... ISTO SIM , seria coisa de valor e a condizer com o título do post.
ResponderEliminarAgora, sexo à bruta e à chuva?...
Pretende desertificação, total e profunda, de comentários, Impontual?
( espere que eles já aí vêm...:) )
Todo o post é uma referência a Manuel António Pina, Maria Antonieta.
EliminarE nada mudou?
ResponderEliminarBoa tarde Impontual :)
Nada mudou. O tempo imiscui-se dentro do tempo.
EliminarComo vai, caríssima Imprópria?
Farewell Happy Fields, I
ResponderEliminarEntre a minha vida e a minha morte mete-se subitamente
A Atlética Funerária, Armadores, Casa Fundada em 1888.
A esse sítio acorrem então, aflitíssimos, o teu vago sorriso
e a vaga maneira como dizes os esses;
vêm de muito longe e chegam incompletamente
ao pequeno vulnerável sítio entre
toda a minha vida e toda a minha morte,
quando a minha última recordação atirou já com a porta
e tudo está acabado até a tua respiração
na cama ao meu lado,
e também tu estás morta,
duma forma que já não me importa.
Vamos então os dois outra vez
ao longo de certas ruas sombrias e de certos dias
e sorris e falas alto; está calor mas tens as mãos frias,
compramos coisas, visitamos
talvez algum último amigo
sem sabermos que eu já não estou vivo.
Poderia ter sido de outro modo?
Poderiam ter sido outras duas pessoas
vivendo a minha e a tua vida, morrendo a minha e a tua morte?
(Mesmo o armador, poderia ter sido outro?)
Aparentemente foi por pouco;
se fosse um pouco mais tarde ou um pouco mais cedo,
se eu não tivesse chegado a casa cansado,
se a louça não estivesse por lavar
e a janela da sala de jantar
não estivesse fechada, se o mundo não tivesse acabado,
nem tu tivesses ido ao supermercado,
e se eu não estivesse cheio de medo.
Agora estou voltado para cima,
para onde cantas ainda há muito tempo.
Se calhar isto (alguma coisa) vai demorar mas já não me impaciento.
Voltamos, tu e eu, ao mesmo jardim desflorido
onde eu morro sozinho
e conversamos comigo
como com um desconhecido.
Que diremos agora um ao outro?
É tarde. Ainda há um momento
me apetecia conversar, agora estou outra vez tão cansado!
Reparaste como o Outono este ano veio por outro lado,
como se fosse pelo lado de dentro?
Manuel António Pina | "Todas as palavras" | Poesia reunida | Ed. Assírio & Alvim, 2012
Como quem, vindo de países distantes fora de
Eliminarsi, chega finalmente aonde sempre esteve
e encontra tudo no seu lugar,
o passado no passado, o presente no presente,
assim chega o viajante à tardia idade
em que se confundem ele e o caminho.
Entra então pela primeira vez na sua casa
e deita-se pela primeira vez na sua cama.
Para trás ficaram portos, ilhas, lembranças,
cidades, estações do ano.
E come agora por fim um pão primeiro
sem o sabor de palavras estrangeiras na boca.
Pina, "o Regresso"
Um “Comin’ in the rain” do Gene seria um twist a considerar ☺️
ResponderEliminarBeijo*
Impontualamiga
ResponderEliminarBoa!!!
Henrique, o Leãozão