As circunstâncias que levaram àquela história de amor tão intensa quanto fulgurante desenrolaram-se sob o signo da estranheza e da fatalidade. Envergava, atendendo à circunstância, um fato azul escuro e uma camisa branca com dois botões abertos. Depois de me sentar, uma rapariga ficou varias vezes a olhar para mim. Relances furtivos sem mensagem particular. Pensei, trata-se da atracção dos contrários, eu branco ela morena, e sorri. A moça respondeu ao meu sorriso algum tempo depois e pude ver o que era uma boca que se entreabria para se dar, informar que não havia, nesse instante, senão um destinatário a quem era oferecido o elogio e a prenda. Naquele momento da ronda dos astros, duas únicas pessoas em todo o mundo podiam estar ali à espera de um encontro, a rapariga do sorriso e eu. Vi-me embrenhado no interior de um buraco negro do espaço, pensei com todas as minhas forças, as minhas energias, todas as luzes do céu me atraíam para o mais fundo, para o centro do meu corpo, onde a última partícula tremia por uma mulher que não conhecia. Sem uma borda de mundo que me servisse de referência, sentia-me desvalido de linguagem e de lei, um homem do espaço sozinho e apaixonado por um meteoro que o deslumbrava. O sagrado estava ali, ao alcance do corpo, bastava a minha mão tocar aquela mulher e calar-me.
Achei-me prisioneiro, permissor de um espaço e de um tempo onde não se ouviam senão os ofegos, o roçar de peles e marulhadas de saliva. As palavras e os corpos de cada um, contaram ao outro as histórias das suas vidas, desde o primeiro dia até àquela noite, para que ambos soubessem os labirintos e os porquês dos meandros da existência que estreitava nos seus braços. Regressados de manhã às intersecções de latitude e longitude de um tempo ordinário, tivemos de interromper a embriaguez, a overdose desejante que acabavam dos nos unir, para nos desfazermos um do outro. Extrair-nos, separar-nos, cortar a unidade que algumas estrelas tinham visto nascer. Fadiga e manhãzinha, o tempo dos homens ditou novamente o ordenamento dos corpos na cidade.
Eu disse adeus, ela ficou a ouvir Lionel Richie em "All night long".