Em dias como o de hoje em que me permito regressar bem mais cedo do que é habitual e ainda debaixo da luz do dia, gosto de encontrar a casa vazia, fria, triste, escura. Recolher uns "cavacos" na arrecadação, acender a lareira lentamente e ficar ali a ouvir os primeiros estalidos da lenha a queimar. Tirar um copo e uma garrafa de Cognac de Charente do armário e deixa-los na borda fria da pedra que emoldura o recuperador de calor. Depois, quando o lume pega completamente, os pedaços de lenha começam a brilhar e uma chama tremulante, regular, começa a dançar por toda a sala, recolho a garrafa e sirvo uma dose generosa daquele néctar à temperatura certa. Entre uns tragos curtos, gosto de ficar por ali uns momentos de pé, como que a contemplar as chamas bruxuleando na vulnerabilidade da tarde pálida a ser tomada pela noite escura e gélida. Até que me sento na poltrona alumiado apenas pela incandescência da lenha e deixo-me invadir pelas ondas sonoras do sistema nervoso. Vibrações misteriosas que se misturam com o lembrete aflitivo, também ele mental, de que ainda não comprei um único presente de Natal! A diversidade dos seus ecos atordoam-me, por assim dizer, o espírito. A memória, essa, distingue o meio ambiente de um tempo de certo modo longínquo, tempo esse que se dilui até se tornar teimosamente indiscernível. É certo que o tempo se transfigura sempre de acordo com o magnetismo das pessoas que o viveram, porque as coisas não têm outro significado, para cada um de nós, senão aquele que lhe podemos atribuir - as coisas são como são ou foram como foram. O Natal é que já não é grande coisa. Mas, enquanto houver lume e alguns sorrisos para manter vivos, ainda vai acontecendo.
um abraço de Boas Festas, com a poesia do Pina dentro.
ResponderEliminar/Uma casa é as ruínas de uma casa,
uma coisa ameaçadora à espera de uma palavra;
desenha-a como quem embala um remorso,
com algum grau de abstracção e sem um plano rigoroso./
...
/Apaga a luz e vira-te para o outro lado
e acorda amanhã como novo,
barba impecavelmente feita,
o dia um sonho sólido onde a noite se limpa e se deita./
:)
A poesia vai acabar, os poetas
Eliminarvão ser colocados em lugares mais úteis.
Por exemplo, observadores de pássaros
(enquanto os pássaros não
acabarem).
(...)
A Flor não sabe disso - porque haveria de saber? - mas a morte do Pina deixou-me "triste, muito triste, muito só". Até deixei de ler o JN de tanto que gostava das suas crónicas na última página.
Que diremos agora um ao outro?
"É tarde. Ainda há um momento
me apetecia conversar, agora estou outra vez tão cansado!
Reparaste como o Outono este ano veio por outro lado,
como se fosse pelo lado de dentro?"
Abraço e festas felizes.
amo o Pina desde míuda, queria que ele fosse meu pai.
Eliminar/A esta hora e neste sítio
(miocárdio ventricular esquerdo)
é a abstracta vida que me assalta./
(não havendo lareira - trabalho - há um ar-condicionado meio rafeiro, de tão longe que está, e um aquecedor a óleo que aquece tudo menos o que devia: os pés!)
mais um abraço.
(e um beijinho para ti, ana)
Eu não chego a casa ao final do dia, porque já estou em casa, mas, quase sempre à mesma hora, junto a lenha para acender a lareira. Não há calor como o do fogo, mesmo com recuperador, e é tão bom ficar aqueles minutos a observar o atear da fogueira, as chamas a crescerem. Fico em silêncio, também, mas sem cognac, e cada vez mais em silêncio, cada vez me incomoda mais o som da música, seja ela qual for. Passo o dia em revista, e reparo que pela primeira vez em muitos anos, tive vontade de comprar prendas para quatro pessoas. Ainda não percebi porquê, mas tive. E embora não tenha tido tempo para o fazer, pedi que o fizessem por mim.
ResponderEliminar(E perdi a vontade de escrever o que tencionava…)
Feliz natal, Impontual
ana, permita-me que continue com o mote dado acima pela Flor?
Eliminar"Vamos então os dois outra vez
ao longo de certas ruas sombrias e de certos dias
e sorris e falas alto; está calor mas tens as mãos frias,
compramos coisas, visitamos
talvez algum último amigo
sem sabermos que eu já não estou vivo."
( enquanto houver fogo no borralho sorrisos para alimentar não há vontades nem musicas que possam ficar adiadas.
Um abraço e feliz Natal, seja lá isso o que for.
Obrigada, Impontual.
ResponderEliminarBeijinho para ti, Flor. Desejo-te tudo de bom. Deves saber.
Esse ritual tão bem contado meu caro. Não o largues, não o deixes fugir. Amarra-o. Pode parecer rotineiro, mas é o que te diz que estás vivo. Sou dado a isso. Pese embora os riscos, que para aqui não contam, agora, ainda estou vivo. Ninguém substitui um bom conhaque, aguardente velha ou whiskey, tónicos de afinação de pensamentos.
ResponderEliminarAfinal, até morrer tudo só pode melhorar.
Natal, este, outros, são momentos, um bom para ti meu caro.
Afinação de pensamentos, nesta época de incoerências, parece-me um excelente tónico, meu caro CC.
EliminarPermita-me que lhe ofereça uma musica que pode muito bem ser de Natal.
https://www.youtube.com/watch?v=59cA_Rj22lY
Um Abraço. Feliz Natal
Obrigado pelos Waterboys.
EliminarDead is not the end? Eu sei... fica para outro dia, um outro post. Se calhar é só o começo :)
Abraço
O que aqui leio, são acendalhas de vida, palavras quentes e incandescentes que salvam fins de dia.
ResponderEliminarAs coisas são como são e têm o significado que lhes quisermos dar. E é assim que deve ser. Cada um deve cumprir a sua natureza.
Gosto muito de o ler.
Um Bom Natal, caro Impontual, com alguns sorrisos bons, daqueles que não se perdem de vista
O melhor mesmo é fazer como a aflita Florinda e apressarmo-nos a tirar o espírito natalício cá para fora.
EliminarObrigado por ter vindo, Miss Smile.
Bom Natal.
Abraço.
«you have your way.I have my way.as for the right way,the correct way,and the only way,it does not exist.»
ResponderEliminarfriedrich nietzsche
Bom tarde, Impontual. Como está?
Bom Natal.
[Sem mais demoras :) sem ressentimentos]
Bem,obrigado.
EliminarPorque "sem a música, a vida seria um erro", ofereço-lhe aquela que é provavelmente a melhor musica de Natal de sempre.
https://www.youtube.com/watch?v=j9jbdgZidu8
Bom Natal
Abraço
Num Top Five de músicas de Natal elejo .Do They Know It's Christmas?. como a mais bonita e tocante, pelo todo em si encerra; A Música de Natal, mais bonita de sempre (escrita por Bob Geldof e Midge Ure em 84).
EliminarO mundo continua podre e 2016 é prova disso, de mal a pior.
Este verso tão actual;
"But say a prayer to pray for the other ones
At Christmas time
It's hard, but when you're having fun
There's a world outside your window
And it's a world of dread and fear"
https://www.youtube.com/watch?v=WesKXdaWBq0
Abraço, Impontual.
Obrigada! por Fairytale Of New York. gosto. :)
EliminarTudo pelo melhor
ResponderEliminarmesmo no Natal
Obrigado, Mar Arável
EliminarMeu caro Impontual, se um dia for embora, levo as palavras escreveu comigo. Bem, na verdade, de todas vezes que parti, nunca fui. Permaneci, apenas, invisível. Obrigada pela sua companhia. Faz-me bem. :)
ResponderEliminarHoje, pergunto eu, pode o Sr. Impontual levar-me a casa? :)
Feliz natal, I. :)
Um abraço. :)
*que escreveu
Eliminar*as vezes
(desculpa, I. ando com fome de palavras, só pode. :))
Obrigado, querida Alaska.
EliminarAssim se acerta.
ResponderEliminarO relógio e o tempo habitam em nós num desassossego constante mas o crepitar do fogo dá ritmo aos segundos, acende os ponteiros no pendular movimento dos astros. E o copo faz a reconciliação da impontualidade do ser que se diz.
Boas Festas.
Obrigado, Agostinho.
EliminarBoas festas.
Abraço.
Sim, a humanidade que veste alguns sorrisos, raros, vale muitos natais... Ou talvez seja por isso que o natal é quando se quiser... Já sabe quando é o Natal impontual? ;)
ResponderEliminarBoas festas
Sei sim. É quando damos por nós a vaguear pela cidade, a conduzir sem rumo, a soltar a alma. É quando acontece a vida acontecer. É quando acontece um sorriso acontecer.
EliminarBoas festas (no corpo todo)
:D
Eliminar... Que belíssima resposta, olha foi natal outra vez... Aconteceu ;)
Um beijo Impontual