"Malandro", murmurava a escuridão. Após um breve intervalo, novamente "malandro". Passados uns minutos, o murmúrio regressa e distingo, finalmente, "malandro", "malandro", repetido pelo fio da voz insidiosa da noite. Dou voltas no lodo do sono, levanto o braço esquerdo, mole, pesado, puxo o edredão até à cabeça, escorrego, afundo-me de novo no subterrâneo do sono. Pestanejo, porém! A maldição insinua-se, já sem escapatória. "Malandro", oiço outra vez nas proximidades. O edredão não me pode proteger, e já nem eu me posso proteger a mim próprio. Serei extraído, devagar, muito devagar, do lodo negro e doce da ausência, sei-o bem. Já não é a primeira vez que sou invadido no sono por um murmúrio em modo soletrado em que se separam as letras conhecidas, anunciando o despertar. O cansaço já não ajuda, nada me pode restituir a profundidade. Subtraído ao lodo terapêutico, puxado lentamente, com suavidade, para a superfície, tento ainda assim a rotina do retardamento, prolongando a apatia, a amnésia, o desmaio de olhos fechados, a mente pesada, vazia, o corpo pesado, de movimentos difíceis, tentando ficar assim, um lastro de chumbo na noite vasta e boa e pesada. Depois a janela diluiu a opacidade, torna-a violácea, transparente, os cortinados baloiçam num lânguido e pérfido suspiro, fácil de reconhecer na voz profana e muda da madrugada: "malandro".
Malandro, eu?