Agarrou-lhe na mão, puxou-o para dentro e fechou lentamente a porta atrás deles. A névoa ficou do lado de fora. Os deuses haviam preparado a candeia do pecado: a um canto tremeluzia a luz minúscula do candelabro azul sobre a cama. Ela já não era a mesma, adquirira novos truques de elevar o prazer, praticava-os com todo um outro tacto e com uma outra paixão, as pernas longilíneas e ainda muito sedosas, levantadas para o céu, cadenciavam o triunfo de um amadurecimento irreversível. Tudo na perfeição: a mente, as emoções, o corpo, a cegueira do instante revisitando um tempo lá mais atrás, a pulsação surda, a frenética simultaneidade. A explosão do pus dos adiamentos acumulados. O tempo compulsivo, a época das idades menos amadurecidas, explanados numa tarde de sol brando.
terça-feira, 20 de fevereiro de 2018
segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018
Geração sem idade
As pessoas da geração sem idade estão desanimadas com o futuro, porque estão cada vez mais conscientes de que, como espécie, perseguem um sonho inspirador que as levou à ruína. Disseram a si próprias que o mundo estava ali para ser conquistado por elas, pelo que quanto melhor parecessem e o mostrassem publicamente, quanto melhor seria o seu controlo, maior seria a sua vantagem, melhor o seu mundo seria. A base filosófica desta geração, apoiada na crença que o mundo estava aqui para ser controlado por quem dominasse o outro, parecendo bem, é uma crença equivocada. Esse optimismo rapidamente passou a ser a fogueira em que se têm queimado. Uma espécie de auto-aniquilação progressiva que, a cada flash, lhes mostra um mundo mais azedo, mais caótico, profundamente confuso.
Por exemplo, se isto fosse o Facebook ou o Instagram, eu precisava de pensar muito bem sobre que mensagem pretendia transmitir como alternativa ao mito do domínio e do parecer bem que deformou ideologicamente esta geração sem idade. Felizmente isto é um blog. E a melhor coisa de um blog é que não precisa sequer de fazer sentido. Por isso fico com o meu cérebro descansado a fotografar a música que oiço, os livros que leio, o cão que se passeia no areal. O que, diga-se em abono da verdade, também não faz de mim um rapaz sem idade.
Busca, Fiodor, busca...
sábado, 17 de fevereiro de 2018
Plebiscito
Nunca um ditador deu ao seu povo a escolher se queria ser livre ou continuar a ser oprimido. Nunca uma ditadura na história da humanidade se submeteu a sufrágio para passar a democracia ou manter-se ditadura.
Os estultos são fáceis de manipular. Não discutem projectos, desígnios ou intenções. Cultivam em si o sentido da aclamação. Por isso não têm o impulso de começar uma guerra, por exemplo. Mas continuam a ter prazer em ser cruéis.
Aquilo parecia um congresso de uma igreja qualquer de um qualquer reino de deus.
sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018
Neve
Regressados, contam-me sobre castelos e dragões esculpidos a partir dos montes de macia neve dinamarquesa, de como eles e outras gentes importantes percorreram, deslizando em tábuas de madeira de fino recorte, toda a distância até à Prússia, mas vê-se claramente que não estão preparados para que a neve apagasse o mundo inteiro (que não houvesse céu, não houvesse cidades) e o deixasse como uma página quebradiça e em branco.
Friorentos.
quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018
Quarta-feira de cinzas
É provável que todos venhamos a odiar aquilo em que nos transformamos. Ninguém é o único. Já vimos mulheres olharem para si mesmas em espelhos de restaurantes, quando os seus consortes não estavam presentes, mulheres sob o seus próprios feitiços, enquanto observavam alguém que não reconheciam. Já vimos homens retornados de outras vidas olharem furtivamente para si próprios em vitrinas de lojas, enquanto tacteavam o crânio sob a pele. Uns e outros pensaram que se livrariam do pior da juventude e que conquistariam o melhor da idade, mas o tempo acumulou-se neles, enterrando as suas esperanças antigas sob a areia. A vida relembrada na medula e não na mente. A tua e a minha história podem até ser muito diferentes, mas acabam por ir dar ao mesmo.
segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018
Da leitura de Al Berto, em contraponto
@Graciela Iturbide
Primeiro é aproveitar o silêncio, pois é aí que melhor se consegue espantar a morte (lenta, digo eu), depois é caminhar como sempre caminhamos, dentro de nós - rasgando paisagens, lavrando mares, deglutindo todas as imagens, distraindo o medo na fímbria da noite, afugentando todos os pássaros do crepúsculo. Assobiando.
sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018
Quereis não uma mas duas sugestões de leitura?
Mas se antes quiserdes vestir um desses farrapos de tule com uns penduricalhos de brilhantes falsos em cima, a deixar entrever as carnes brancas e mal passadas e, enregelados, ir dançar o samba num desses cortejos carnavalescos onde com uma folia abnegada aclamareis o vosso amigo Charlie Brown, estais à vontade.
Ah, e estou a ouvir ora Lou Reed ora Fausto Bordalo Dias. Não sei se gostais?
quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018
Quem dera que o amor fosse como o sexo
O amor não devia atender a nada mais do que o amor. Como acontece no sexo.
Caso não lhe seja conspurcado pelas condições do homem civilizado, o prazer físico entre um homem e uma mulher pode atingir o êxtase. O sexo tem esse poder; o de superar a confusão com os limites nas relações pessoais. Já os que se atrevem a molhar os pés apenas no rio que traz as águas do amor perdem algo de fundamental. As suas associações vão-se tornando meros negócios, investimentos especulativos neste e naquele particular, não é de surpreender que tais ligações se afundem no ciúme.
A partir do momento em que amor é moeda de troca transforma-se num instrumento de repressão e controlo. Promessas de felicidade, fidelidade e sacrifício e que parecem sagradas, não passam de egoístas demonstrações de posse, fraudulentas, despidas de pureza - como a sexual -, enganadoras a nível individual e social. A prova é visível: todos os pares por mais felizes que seja no começo, acabam mais tarde ou mais cedo por odiarem tudo isso e por se atormentarem.
Tende juízo senhores de sotaina. Quem dera que o amor fosse como o sexo.
Tende juízo senhores de sotaina. Quem dera que o amor fosse como o sexo.
terça-feira, 6 de fevereiro de 2018
quarta-feira, 31 de janeiro de 2018
Ciência viva
Já vão aparecendo uns biólogos, uns químicos, uns físicos capazes de imaginar, inventar medicamentos, ínfimos objectos que vão dentro dos corpos limpar as artérias, ups! acabou-se o colesterol, disparar misseis sobre vírus, ou até mesmo escarafunchar nos neurónios para mudar as conexões e limpar o canal dos instintos interditos.
Não aparece é ninguém capaz de criar uma injecção que ponha termo à insipidez da carne, à distorção do carácter, que apazigúe os corpos e torne as almas mais ligeiras. Que acabe com as feridas da língua, a língua inválida, a alienada e a insone. Que ponha termo a esta inata catarse aristotélica da simulação, da dissimulação, do fingimento, da teatralidade do jogo retardado da imitação e do renascimento, da mascara e do mascarado, do falso e do falsificado. Que ponha fim e esta patologia mal-cheirosa, a estas células cancerosas que matam a cada dia que passa o organismo social.
terça-feira, 30 de janeiro de 2018
Rubescência
segunda-feira, 29 de janeiro de 2018
Apanágio
Tenho o máximo respeito e admiração pelo Mário Centeno. Eu também já fui Ministro das Finanças da minha casa e sei o quão difícil aquilo é.
quinta-feira, 25 de janeiro de 2018
Cada um de nós é o amor da vida de alguém
Mas... quem é afinal o artífice desse andaime periclitante? Quem montou as travessas e os parafusos, as polias e as pranchas sobre as quais dançamos, como cegos às apalpadelas, persuadidos de que somos livres e conquistadores?
quarta-feira, 24 de janeiro de 2018
Revolução do desejo
Frank Guiller
O amor é o amor — e depois?!
Vamos ficar os dois
a imaginar, a imaginar?...
__Alexandre O’Neill, in ‘Abandono Vigiado’
__Alexandre O’Neill, in ‘Abandono Vigiado’
terça-feira, 23 de janeiro de 2018
Ainda Cioran
O bom blogger? concentra em si todas as chances de desaparecer e desaparecerá mais cedo ou mais tarde, mas, por outro lado, tem razão em prolongar a sua tragicomédia, nem que seja por distracção ou por vício. Até lá cultiva o mistério, locução de que se serve para endrominar os outros, para fazer-lhes crer que é imperscrutável. Graças à melancolia - esse alpinismo dos preguiçosos - lá vai escalando, sentado na sua poltrona de orelhas, todos os cúmes e sonhando no alto de todos os precipícios. Bailado encenado nas bordas do abismo.
sexta-feira, 19 de janeiro de 2018
Cioran
O bom blogger deve possuir o sentido do assassinato; em tempo útil, quem ainda sabe matar os seus personagens?
quarta-feira, 17 de janeiro de 2018
Largas noites
As circunstâncias que levaram àquela história de amor tão intensa quanto fulgurante desenrolaram-se sob o signo da estranheza e da fatalidade. Envergava, atendendo à circunstância, um fato azul escuro e uma camisa branca com dois botões abertos. Depois de me sentar, uma rapariga ficou varias vezes a olhar para mim. Relances furtivos sem mensagem particular. Pensei, trata-se da atracção dos contrários, eu branco ela morena, e sorri. A moça respondeu ao meu sorriso algum tempo depois e pude ver o que era uma boca que se entreabria para se dar, informar que não havia, nesse instante, senão um destinatário a quem era oferecido o elogio e a prenda. Naquele momento da ronda dos astros, duas únicas pessoas em todo o mundo podiam estar ali à espera de um encontro, a rapariga do sorriso e eu. Vi-me embrenhado no interior de um buraco negro do espaço, pensei com todas as minhas forças, as minhas energias, todas as luzes do céu me atraíam para o mais fundo, para o centro do meu corpo, onde a última partícula tremia por uma mulher que não conhecia. Sem uma borda de mundo que me servisse de referência, sentia-me desvalido de linguagem e de lei, um homem do espaço sozinho e apaixonado por um meteoro que o deslumbrava. O sagrado estava ali, ao alcance do corpo, bastava a minha mão tocar aquela mulher e calar-me.
Achei-me prisioneiro, permissor de um espaço e de um tempo onde não se ouviam senão os ofegos, o roçar de peles e marulhadas de saliva. As palavras e os corpos de cada um, contaram ao outro as histórias das suas vidas, desde o primeiro dia até àquela noite, para que ambos soubessem os labirintos e os porquês dos meandros da existência que estreitava nos seus braços. Regressados de manhã às intersecções de latitude e longitude de um tempo ordinário, tivemos de interromper a embriaguez, a overdose desejante que acabavam dos nos unir, para nos desfazermos um do outro. Extrair-nos, separar-nos, cortar a unidade que algumas estrelas tinham visto nascer. Fadiga e manhãzinha, o tempo dos homens ditou novamente o ordenamento dos corpos na cidade.
Eu disse adeus, ela ficou a ouvir Lionel Richie em "All night long".
terça-feira, 16 de janeiro de 2018
Posídon
segunda-feira, 15 de janeiro de 2018
Supernany
Gostava de saber explicar-te este mundo. Um mundo onde não existe privacidade, onde a imaginação é um comportamento anti-social e as pessoas que compõem essa sociedade estão sempre em bicos de pés a olhar através da janela da tua alma a tentar descobrir os teus pensamentos mais íntimos. Mas gostava, também, de contar-te a maior verdade que daí se depreende: o tecido deste mundo é uma ilusão, um cenário mal pintado de uma peça de teatro. Passa para trás dessa cortina e um mundo totalmente diferente aguarda-te. Vá, não te inibas. Faz-te a ele.
sábado, 13 de janeiro de 2018
Esplanada de Inverno
E então, em vez de reagir à sua declaração de guerra com um acto de violência, que poria, sem dúvida, fim à dela, em vez de utilizar as mesmas armas que ela para abater o inimigo que o tomou como alvo, ele redobra de ternura, começa a conversar, tenta a diversão. Em vez de desembainhar a espada e gritar "em guarda", recusa o duelo, despede as testemunhas, parlamenta e estende-lhe a mão.
Ela, nunca imaginou que se pudesse seduzir uma mulher ofertando-lhe a mão.
Time`s Up!
Ela, nunca imaginou que se pudesse seduzir uma mulher ofertando-lhe a mão.
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